Delírio

Posted by Gustavo Aguiar On sábado, 23 de janeiro de 2010 0 comentários

Eu queria ser Deus por um único dia.

Primeiramente destruiria toda a minha criação e recomeçaria do ponto de partida iniciando um mundo novo e vertiginoso só para mim, um mundo sombrio onde se ouviria apenas os lobos uivando sem parar nas colinas e o rastejar das cobras sobre os ladrilhos quadriculados de xadrez instalados na relva.

Se eu pudesse, arrancaria toda a dignidade dos homens e a daria para os animais peludos. O próprio homem é um animal peludo, mas um animal que precisa se depilar o tempo todo para seguir as leis do higiene corporal impostas pela sociedade. Luta contra sua própria natureza, usa e abusa de cosméticos idiotas para ser visto como normal pelos outros.

Se eu fosse Deus, o Juiz de todas as coisas por um único dia não permitiria de forma alguma que meu pobre macaquinho se tornasse uma criatura tão asquerosa quanto o homo sapiens. Maldito. Repugnante. No lugar dos pele-rapadas eu encaixaria um ser ainda mais peludo e maravilhoso na cronologia da evolução, tipo um gorila ou um urso tropical.

Meu mundo seria louco, saudável e justo, não esse lugar imundo cujas farmácias criam doenças só para vender medicamentos. No meu mundo nem haveriam pessoas para tal. Eu mesmo não seria uma pessoa, mas algo mais firme e assustador, mais feroz, autoritário e soberano. Um leão como o do meu signo, agigantado, quadrúpede e com uma coroa de pêlos em torno do rosto. Olhos demoníacos cavados debaixo das sobrancelhas. Ah, sim claro, porque não o rei de todos os animais? O rei dos reis! Um leão de dorso realçado por músculos, oscilando de ambos os lados na medida em que vou caminhando pela escuridão, a relva roçando a minha pele enquanto visito as cobras e vou ouvir os uivos dos lobos no piso de xadrez.

No meu mundo não há lugar para o dia, só para a noite, porque o escuro nos permite olhar para ele e ver o reflexo das nossas próprias idéias abstratas sendo convertidas em elementos identificáveis pelo nosso cérebro. Se eu quiser olhar para um amontoado de árvores mergulhadas na escuridão posso ver fantasmas ziguezagueando em seus troncos à vontade como que num playground, ou mulheres nuas com cabeça de falcão segurando grandes cetros feito aquelas escrituras egípcias cuneiformes. O que eu quisesse ver estaria ali, no escuro, se mexendo.

No meu mundo a chuva regaria as plantas de quando em quando. O céu seria uma pistola de pente carregado, sempre nublado, sem estrelas granulando o infinito e o C inclinado da lua minguante viveria embaçado por detrás do abraço das nuvens.

Este seria o meu mundo. O micromundo solitário. A garagem apagada às três da madrugada.

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